O Estado de S. Paulo - publicado em 22 de junho de 2008
Terminou quase em festa a reunião ministerial convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quinta-feira, para discussão das pressões inflacionárias e das possíveis ações contra a alta de preços. Mas o presidente decidiu não tomar nenhuma nova medida, porque o governo, segundo se concluiu, já fez a sua parte. Além disso, o Brasil, de acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, é quase uma ilha de estabilidade no meio de um vasto oceano agitado pela inflação. Há pouco mais de 30 anos, o governo de então classificou o País como ilha de prosperidade durante a crise do petróleo.
Poucos anos depois foi preciso, com profunda tristeza, rever a avaliação. Desta vez, pelo menos um órgão público, o Banco Central (BC), permanece mobilizado para enfrentar o perigo. Se a inflação for contida até o começo do próximo ano, será graças, portanto, à abominada política de juros altos. Será mais difícil e talvez mais custoso economicamente, mas esse é o caminho traçado, por enquanto. O Brasil, como disse o ministro Mantega, é um dos poucos países com a inflação dentro da meta, isto é, dentro do intervalo de tolerância definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
O mercado financeiro continua projetando uma inflação abaixo do limite, para o fim do ano e para 2008. As projeções, no entanto, pioraram nas últimas duas semanas e os índices de preços mostram um quadro cada vez mais desfavorável. Primeiro ponto importante: a situação só não é pior porque o BC percebeu mais cedo os sinais de perigo e começou a agir. Sua disposição, como ficou claro na última Ata do Copom, é continuar elevando os juros para conter a demanda. Segundo ponto: ao contrário da tese exposta pelo ministro da Fazenda, o Executivo não tomou nenhuma iniciativa relevante para deter a onda inflacionária.
O ministro mencionou a decisão de elevar de 3,8% para 4,3% do PIB a meta de superávit primário deste ano. Mas a decisão apenas consagrou uma situação de fato. O resultado obtido até abril já estava muito próximo desse “novo” objetivo, não por causa de uma política austera, mas, basicamente, como conseqüência da elevação da receita. O superávit primário obtido até agora não foi suficiente para conter a expansão da demanda. O governo continua gastando muito e ainda não há sinais importantes de arrefecimento do consumo.
O aumento do IOF cobrado nos empréstimos a pessoas físicas não afetou a tendência. Serviu para engordar a receita do Tesouro. Para isso o governo elevou o imposto no começo do ano, e não para conter a demanda. O objetivo era compensar, em parte, a extinção da CPMF, mas o ministro parece haver esquecido esse detalhe. Em sua alegre exposição, o ministro da Fazenda insistiu na tese de uma inflação quase limitada aos preços de alimentos. Os fatos continuam desmentindo, e cada vez mais claramente, esse ponto de vista.
Os maiores aumentos, é verdade, têm ocorrido nos preços da comida, mas a onda inflacionária já se espalha pela maior parte dos componentes dos índices de preços. Já não se trata de inflação localizada, até porque o encarecimento das matérias-primas - alimentos, derivados de petróleo e metais - tende a contaminar todos os setores da economia. A primeira providência, portanto, deve ser a contenção da demanda para limitação de repasses.
O estímulo à produção agrícola, prometido pelo governo, será uma providência bem-vinda. Mas uma boa política de financiamento e de preços mínimos seria necessária mesmo sem as pressões inflacionárias de hoje. A boa oferta de alimentos é condição permanente de estabilidade de preços. Além disso, é fator indispensável à segurança das contas externas. Sem uma boa safra na temporada 2008-2009, a situação brasileira se agravará.
Mas uma boa safra no Brasil, desejada por todos, será insuficiente para inverter a tendência dos preços internacionais, se confirmadas as perdas estimadas nos EUA. O governo poderia sem grande sacrifício elevar para 4,8% do PIB a meta de superávit primário. Isso tornaria mais segura e mais fácil a política antiinflacionária. Falta o presidente admitir essa obviedade.
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